domingo, 27 de julho de 2008

"é preciso distinguir o real do conveniente..."

Ela passou por tormentos e inseguranças. Muitas vezes escutava seu desejo do fim. Nada o satisfazia ou o fazia feliz na sua companhia. Na sua casa.
Foram anos de uma mistura intensa entre amor e desamor. Suspeitas e acusações. Intolerâncias.
Ela tentou se equilibrar e buscar sua sanidade em várias pessoas. Nos amigos. No trabalho. Na solidão. Interna.
Sempre entre ameaças. Dúvidas. Amarguras.
Depois foram anos de acusações. De novo ameaças. De novo solidão. Como ela se sentiu sozinha. Como ela se sentiu injustiçada.
E aí novas promessas e novos sonhos. Mas sempre a sombra da dúvida.
A construção cotidiana de situações convenientes. É tão confortável a acusação e a ameaça para se proteger da realidade. E tão perverso.
Um dia, a máscara caiu. Não sei se o que ela sentiu foi dor. Desilusão não foi. Ela sabia. Por isso não se entregava o tanto que queria. Que poderia.
Mas ele e tudo o que o cercava desmoronou. Em um segundo tudo mudou.
Na verdade, sua vida vinha se ruindo aos olhos dela de uma forma avassaladora. Tudo parecia uma farsa. Todas as pessoas e imagens que criou ao seu redor eram uma farsa.
As pessoas que passaram pela vida dele, sua história... sempre foram uma prova desconsertante das escolhas baratas e desprovidas de beleza. Sem o que, de fato, se admirar. "Pessoas nefastas".
E lá estava ela de novo sem reconhecer aquilo que, de certa forma, passou anos querendo e lutando para acreditar.
O que ela sentiu mesmo foi uma mistura de reconhecimento da desvalia das relações amorosas. Da certeza de que a vida é uma desilusão. Por que insistiu em acreditar nos gestos, nas palavras, sempre lotadas de chantagens? No fundo, é tudo um grande jogo (feio, por sinal) para ele parecer mais interessante do que é. Diferente. Munido de uma masculinidade mais doce, mais incomum.
Triste mesmo é olhar para ele e vê-lo tão pequeno. Tão igual...
A vida anda tão adversa. A rua já dá tanto medo.
Em casa, ela parecia construir um mundo mais humano, mais igual, mais tolerante. Solidário.
Mas ela está de pé. Cética. Até com um certo nojo do cinismo e do discurso que ele retorna para ela. Sempre injusto. Sempre cruel. Mas ela está inteira na sua dignidade.
Ela não tem medo da solidão. Isso não existe para ela. Simplesmente, porque é uma vencedora.
Ele sim, deve estar com um medo enorme do futuro. Afinal, é o passado, aquele tão feio, que está sempre a rondar. E que será o que terá.

3 comentários:

Ana Paula disse...

"A construção cotidiana de situações convenientes. É tão confortável a acusação e a ameaça para se proteger da realidade. E tão perverso."

Deu vontade de ter um caminhão e ir andando com ele por aí, sem destino, com essa frase na traseira.

Beijos.

Anônimo disse...

Se as máscaras não caíssem, seriam rostos. Mas ando achando que um é feito do outro.

Amei.

Beijoca

Dona Baratinha disse...

o texto é maravilhoso, querida! e entendo esse seu olhar. Mas tenho uma dificuldade imensa em acreditar em real absoluto sobre o qual teríamos o poder de distinguir. Até pq, na minha opinião, nossa experiência do real só se dá através do discurso e, portanto, está contaminado com nossa subjetividade, um juízo de valor que poderia considerar a mesma situação conveniente ou inconveniente. Nessa tô com niezche: "há o justo e o injusto. E ambos são igualmente justificáveis." Belo texto, beijocas