domingo, 5 de julho de 2009

Eu sou assim, fazer o quê?


Que eu sou gente que cai, eu sempre soube.
Que eu sou desligada, também.
Mas, sinceramente, não consigo lembrar o que aconteceu.
Só lembro que era sexta-feira, dia 3 de julho de 2009.
Estava chovendo e eu tinha de chegar cedo no trabalho.
Com medo do trânsito resolvi pegar o Metrô.
Estou acostumada. Estação Cantagalo.
Um monte de escadas rolantes, todas altíssimas. Parece pegadinha, mas não é.
A estação é lá embaixo mesmo. São horas descendo, andando de esteira, andando... até chegar à plataforma.
Um cansaço.
Eram 8h. Gente à beça. Todos trabalhadores, que nem eu.
Todos com pressa, que nem eu.
Mas como sou meio desligada, nem fico nessa pilha de andar super rápido.
Deixo isso para as minhas horas de corrida mesmo.
Quase não uso salto. Estava de bota sem NENHUM salto.
Desci a primeira escada rolante. Tudo bem.
Cheguei na segunda.
Foi quando tudo começou...
Voei. De frente. De cara.
Gritos desesperados. Não eram meus.
Eram da multidão ao meu redor.
E eu voando.
Nesses segundos só consegui pensar que estava sem meus óculos.
Porque fiquei cega.
E uma ausência absoluta de emoção.
Nem nervoso. Nem vergonha. Nada!
Acabei lá embaixo. No chão.
E uma multidão ao meu redor.
Um monte de perguntas que eu nem conseguia responder.
Só conseguia dizer "obrigada, está tudo bem."
Óbvio que ninguém acreditava, né?
Quem pode acreditar numa criatura que voa metros em uma escada rolante, no meio de tanta gente e fica tudo bem?
Mas naquele momento eu não estava entendendo nada...
Aí chegou um segurança do Metrô.
"Senhora, desculpa a demora, mas eu não vi nada, só escutei a gritaria das pessoas..."
Afe! Foi tudo isso?
"A senhora tem direito a tudo que o Metrô paga..."
"Como assim? Paga o quê?"
A essa altura já tinham me entregado meus óculos com a haste torta. E eu continuava cega.
"Moço, por favor, conserta meus óculos. Preciso trabalhar e não enxergo nada..."
Fomos para a cabine e ele conseguiu colocar no lugar meio tortinho ainda.
E a ausência de emoção permanecia.
Conversei um pouco com ele, agradeci e fui embora pro trabalho.
Cheguei lá e, claro, saí contando.
Aos poucos, fui descobrindo algumas marcas do vôo.
Na minha barriga, a tatuagem dos degraus. Nos joelhos, alguns arranhões.
Mas a bota, a calça, o casaco, me protegeram bastante.
Trabalhei muito o dia todo e a vontade de chorar, que às vezes surgia, ficou entalada.
Às 19h30 peguei o 15 com a Clé e a Mariana. Dois homens estranhos ligaram o sinal de alerta na Mari.
Saltamos antes do Aterro. Pegamos o 474.
Elas saltaram em Copacabana e vim sozinha pra Ipanema.
Foi aí que o choro apareceu com força.
Fiquei pensando no desamparo que é cair na rua.
Fiquei pensando que não é maneiro, como diz a Carol, cair na rua toda hora.
Muito menos voar de frente em uma escada rolante, cheio de gente gritando.
Aí chorei muito. Muito, muito.
Aí me dei conta de que era sexta-feira, eu estava exausta, dentro de um ônibus, voltando de mais um dia de muito trabalho e chorando porque voei e me esborrachei no chão na frente de um monte de desconhecidos.
Até fiquei com pena de mim.
Que coisa ruim de sentir...
E não conseguia parar de chorar.
Ai, além de ser gente que cai, de ser desligada, não quero ser gente que chora olhando pela janela do ônibus sozinha...

6 comentários:

Sá disse...

Gente, até para cair ela cai com graça!
Ainda bem que ela está bem, e linda como sempre.
Beijos, muitos beijos!

Anônimo disse...

Oi, minha amiga queridona,
Viva você e seus voos! Voos que sempre vão na direção da alegria, da sensiblidde, do compromisso com os seus valores, da competência profissional, do afeto, da amizade! Na direção da vida! Mas se a vida humana envolve uns tropeções, de vez em quando, os seus voos também!
Viva você mais uma vez por isso. Por ser tão maravilhosamente humana (ou comum, se preferirmos, como o maior elogio, você sabe).
E viva você, ainda, por fazer desse voo um texto tão bacana!
Mil beijos, todo amor,
Ana

Letícia disse...

Nossa! Quando você contou não pude imaginar que tinha sido assim...
Espero que esteja bem!
Bjs

Anônimo disse...

eu tb, Lele, não imaginei que tinha sido tão brabo...
beijo
Lucia

Lady Shady disse...

Como assim, querida?!
Tadinha...
Mas caiu...'levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima'.
TODO MUNDO JÁ CAIU OU VAI CAIR UM DIA NA RUA.
Tadinha da amiga querida.
Vc tem quem assopre seus machucadinhos.

bjs

Carol disse...

Ai... entendo tanto essa situação... ausência de emoção, corpo colado no chão, rosto tapado com a mão, ajuda da multidão.

Gargalhadas depois, vergonha e choradeira. Você caindo da escada, eu caindo da cadeira!


O bom é que depois tem sempre história pra contar...

Bjs!